A indústria do transporte marítimo é um exemplo perfeito de como a globalização obrigará diversas empresas a procederem a reestruturações básicas, recorrendo a novas estratégias e modelos de negócios. Em seu próximo livro sobre o novo pensamento estratégico na indústria de transporte marítimo, o dr. Peter Lorange discorre sobre a turbulência que resultará dessas transformações e que, em sua opinião, criará oportunidades especialmente para quem sair na frente.
Tradicionalmente, o negócio de transporte marítimo bem-sucedido estava associado à sua tonelagem. Tinha também de se desincumbir de várias funções correlatas, tais como a aquisição e a venda de navios, operações financeiras, introdução de inovações no design dos navios e no recrutamento de tripulação própria. Contudo, com o crescimento dos investimentos externos, as empresas de capital aberto e os gestores profissionais estão substituindo as companhias de transporte marítimo privadas e os armadores do passado. Juntamente com essa transformação surge uma preocupação com a integridade, pontualidade e exatidão dos relatórios financeiros.
Consolidação
As empresas de transporte marítimo reagiram à pressão por melhor desempenho através da consolidação, porque tinham de ser grandes para competir na economia global. O tamanho não só lhes dava a possibilidade de deslocar seus navios pelo mundo para tirar vantagem máxima das flutuações da oferta e da demanda, como também dissuadia possíveis concorrentes de entrar no mercado. O mais importante de tudo, porém, foi que o financiamento alternativo, baseado em frotas de grande escala, produziu os resultados financeiros esperados pelos acionistas.
Especialização
Contudo, as empresas que aspiram ao posto de vencedoras globais podem encontrar na especialização a resposta que procuram. Com a especialização, as companhias de transporte definem suas atividades principais e, em seguida, as atividades padronizadas que podem ser terceirizadas. Isto significa que uma empresa pode identificar uma parte do negócio em que se sobressai e ampliar suas atividades repassando-as a outros setores, produzindo dessa forma um produto especializado em condições de competir no mercado global.
A especialização resultante desmembra as companhias de transporte integradas em quatro categorias — as que possuem aço, as que usam o aço, as que operam com aço e as que inovam utilizando o aço. As empresas que possuem aço se preocuparão com a questão do tamanho, da escala e com custos baixos. As que utilizam o aço se preocuparão em criar laços fortes com sua clientela com base em seu objetivo, marca, operações, serviços etc. A terceira categoria se concentrará nos processos de inovação associados ao aço, enquanto a quarta se especializará na operação do aço centrada no baixo custo da tripulação contratada e nas atividades de manutenção.
Por que mudar?
Para os que se esforçam para superar o aspecto sentimental associado à posse de um navio, há cinco razões principais pelas quais a empresa de transporte integrada terá de passar por uma reavaliação. Em primeiro lugar, porque a posse do aço exige, via de regra, um acompanhamento de longo prazo, o que requer muita liquidez, e cujo resultado apresenta um alto fator de risco. Ao usar o aço, porém, torna-se imperativa a adoção de uma gestão que ponha fim aos prejuízos!
Em segundo lugar, a propriedade do aço implica a administração eficiente dos navios, e requer um timing para a compra e venda, sendo o navio a unidade de transação em questão. Contudo, a utilização do aço exige também uma engenharia financeira, operações de fretamento, marketing e transações com derivativos de frete etc. — não necessariamente baseados no navio como unidade de transação.
Em terceiro lugar, enquanto no passado as diferentes atividades de transporte eram integradas em um único pacote, hoje o cliente tem acesso a especialistas a um custo módico. É provável que não haja praticamente retorno algum a longo prazo no controle exclusivo de todas as etapas do negócio como ocorria no passado com as grandes empresas de transporte integrado. Na verdade, o efeito pode ser o oposto disso. Por exemplo, se uma companhia especializada em inovações, como a Marsoft, fosse dona de algum navio, participasse de transações comerciais ou de atividades operacionais, suas orientações não seriam mais encaradas com imparcialidade.
Em quarto lugar, o financiamento assume diferentes formas com a especialização. No caso dos armadores, por exemplo, a principal preocupação consiste em assegurar fluxos de capital a custos baixos. No caso das empresas comerciais e de fretamento, porém, a ênfase recai sobre a obtenção de financiamentos a custos razoáveis com base em um fluxo de caixa relativamente estável e, de preferência, em constante elevação. Isso também facilitaria a obtenção de fundos públicos — ao contrário do que ocorre com os padrões menos previsíveis de fluxos de caixa das companhias armadoras tradicionais.
Por fim, diferentes aspectos da cadeia de valor exigem diferentes competências; além disso, pode ser difícil a gestão de numerosas atividades não relacionadas em patamares de nível mundial. Ao se limitarem as atividades, as chances de melhor desempenho aumentam, bem como as chances de sucesso da empresa.
Papel ou aço?
Na realidade, tanto a “propriedade do aço” quanto a “utilização do aço” podem ser encontradas na mesma empresa, mas é importante separar o foco de cada categoria do negócio. A Awilco, uma companhia norueguesa, tem duas plataformas marítimas: navios-tanques e plataformas de abastecimento offshore, mas a empresa se especializa também em investimentos em ações nos segmentos de transporte marítimo e de atividades offshore. Para isso, recorre a seu conhecimento especializado, que lhe garante o melhor retorno possível antes que a maioria dos investidores institucionais saiba a quantas anda o desempenho do mercado subjacente.
Essa tendência cada vez mais acentuada, que privilegia as operações com papéis no mercado, ganha força com o advento de derivativos e futuros com volumes de negociação tão bons quanto os da Bolsa Marítima Internacional (International Maritime Exchange, IMAREX). Podem-se também criar fundos específicos tendo em vista a compra e venda de navios. Para que esse objetivo tenha êxito, é imprescindível atentar para o timing de entrada e de saída do mercado. Não há dúvida de que é mais fácil entrar e sair do mercado acionário e/ou do mercado de futuros do que comprar e vender navios de verdade.
As companhias de transporte que privilegiam a inovação constituem a terceira categoria de especialização. No passado, as companhias integradas costumavam trabalhar com inovações surgidas no interior do seu espaço de trabalho — muitas vezes com resultados de caráter relativamente “caseiros”. A especialização quase sempre produz resultados de qualidade. A parte operacional, ou a quarta categoria, diz respeito à tripulação e à manutenção diária dos navios.
O que fazer
Diante da necessidade de se adaptar, a primeira coisa que uma companhia armadora deve fazer é identificar em que lugar se encontram as oportunidades mais promissoras hoje e no futuro. A isso deveria se seguir uma análise especializada de uma das categorias acompanhada de uma compreensão objetiva dos fatores críticos de sucesso. É importante que a administração compreenda o que é fundamental para seu negócio em particular dependendo da categoria específica escolhida. É igualmente importante compreender quem são os clientes de cada categoria, bem como o tipo de serviço que desejam.
No caso das companhias armadoras especializadas em ascensão, é fundamental que o planejamento, a liderança, funcionários e gerentes tenham o perfil da categoria escolhida. Não há uma maneira específica de comandar uma transportadora. O que vale é atentar para o que realmente importa — e esses fatores críticos de sucesso serão diferentes em cada uma das quatro categorias de negócios.
Tradicionalmente, o negócio de transporte marítimo bem-sucedido estava associado à sua tonelagem. Tinha também de se desincumbir de várias funções correlatas, tais como a aquisição e a venda de navios, operações financeiras, introdução de inovações no design dos navios e no recrutamento de tripulação própria. Contudo, com o crescimento dos investimentos externos, as empresas de capital aberto e os gestores profissionais estão substituindo as companhias de transporte marítimo privadas e os armadores do passado. Juntamente com essa transformação surge uma preocupação com a integridade, pontualidade e exatidão dos relatórios financeiros.
Consolidação
As empresas de transporte marítimo reagiram à pressão por melhor desempenho através da consolidação, porque tinham de ser grandes para competir na economia global. O tamanho não só lhes dava a possibilidade de deslocar seus navios pelo mundo para tirar vantagem máxima das flutuações da oferta e da demanda, como também dissuadia possíveis concorrentes de entrar no mercado. O mais importante de tudo, porém, foi que o financiamento alternativo, baseado em frotas de grande escala, produziu os resultados financeiros esperados pelos acionistas.
Especialização
Contudo, as empresas que aspiram ao posto de vencedoras globais podem encontrar na especialização a resposta que procuram. Com a especialização, as companhias de transporte definem suas atividades principais e, em seguida, as atividades padronizadas que podem ser terceirizadas. Isto significa que uma empresa pode identificar uma parte do negócio em que se sobressai e ampliar suas atividades repassando-as a outros setores, produzindo dessa forma um produto especializado em condições de competir no mercado global.
A especialização resultante desmembra as companhias de transporte integradas em quatro categorias — as que possuem aço, as que usam o aço, as que operam com aço e as que inovam utilizando o aço. As empresas que possuem aço se preocuparão com a questão do tamanho, da escala e com custos baixos. As que utilizam o aço se preocuparão em criar laços fortes com sua clientela com base em seu objetivo, marca, operações, serviços etc. A terceira categoria se concentrará nos processos de inovação associados ao aço, enquanto a quarta se especializará na operação do aço centrada no baixo custo da tripulação contratada e nas atividades de manutenção.
Por que mudar?
Para os que se esforçam para superar o aspecto sentimental associado à posse de um navio, há cinco razões principais pelas quais a empresa de transporte integrada terá de passar por uma reavaliação. Em primeiro lugar, porque a posse do aço exige, via de regra, um acompanhamento de longo prazo, o que requer muita liquidez, e cujo resultado apresenta um alto fator de risco. Ao usar o aço, porém, torna-se imperativa a adoção de uma gestão que ponha fim aos prejuízos!
Em segundo lugar, a propriedade do aço implica a administração eficiente dos navios, e requer um timing para a compra e venda, sendo o navio a unidade de transação em questão. Contudo, a utilização do aço exige também uma engenharia financeira, operações de fretamento, marketing e transações com derivativos de frete etc. — não necessariamente baseados no navio como unidade de transação.
Em terceiro lugar, enquanto no passado as diferentes atividades de transporte eram integradas em um único pacote, hoje o cliente tem acesso a especialistas a um custo módico. É provável que não haja praticamente retorno algum a longo prazo no controle exclusivo de todas as etapas do negócio como ocorria no passado com as grandes empresas de transporte integrado. Na verdade, o efeito pode ser o oposto disso. Por exemplo, se uma companhia especializada em inovações, como a Marsoft, fosse dona de algum navio, participasse de transações comerciais ou de atividades operacionais, suas orientações não seriam mais encaradas com imparcialidade.
Em quarto lugar, o financiamento assume diferentes formas com a especialização. No caso dos armadores, por exemplo, a principal preocupação consiste em assegurar fluxos de capital a custos baixos. No caso das empresas comerciais e de fretamento, porém, a ênfase recai sobre a obtenção de financiamentos a custos razoáveis com base em um fluxo de caixa relativamente estável e, de preferência, em constante elevação. Isso também facilitaria a obtenção de fundos públicos — ao contrário do que ocorre com os padrões menos previsíveis de fluxos de caixa das companhias armadoras tradicionais.
Por fim, diferentes aspectos da cadeia de valor exigem diferentes competências; além disso, pode ser difícil a gestão de numerosas atividades não relacionadas em patamares de nível mundial. Ao se limitarem as atividades, as chances de melhor desempenho aumentam, bem como as chances de sucesso da empresa.
Papel ou aço?
Na realidade, tanto a “propriedade do aço” quanto a “utilização do aço” podem ser encontradas na mesma empresa, mas é importante separar o foco de cada categoria do negócio. A Awilco, uma companhia norueguesa, tem duas plataformas marítimas: navios-tanques e plataformas de abastecimento offshore, mas a empresa se especializa também em investimentos em ações nos segmentos de transporte marítimo e de atividades offshore. Para isso, recorre a seu conhecimento especializado, que lhe garante o melhor retorno possível antes que a maioria dos investidores institucionais saiba a quantas anda o desempenho do mercado subjacente.
Essa tendência cada vez mais acentuada, que privilegia as operações com papéis no mercado, ganha força com o advento de derivativos e futuros com volumes de negociação tão bons quanto os da Bolsa Marítima Internacional (International Maritime Exchange, IMAREX). Podem-se também criar fundos específicos tendo em vista a compra e venda de navios. Para que esse objetivo tenha êxito, é imprescindível atentar para o timing de entrada e de saída do mercado. Não há dúvida de que é mais fácil entrar e sair do mercado acionário e/ou do mercado de futuros do que comprar e vender navios de verdade.
As companhias de transporte que privilegiam a inovação constituem a terceira categoria de especialização. No passado, as companhias integradas costumavam trabalhar com inovações surgidas no interior do seu espaço de trabalho — muitas vezes com resultados de caráter relativamente “caseiros”. A especialização quase sempre produz resultados de qualidade. A parte operacional, ou a quarta categoria, diz respeito à tripulação e à manutenção diária dos navios.
O que fazer
Diante da necessidade de se adaptar, a primeira coisa que uma companhia armadora deve fazer é identificar em que lugar se encontram as oportunidades mais promissoras hoje e no futuro. A isso deveria se seguir uma análise especializada de uma das categorias acompanhada de uma compreensão objetiva dos fatores críticos de sucesso. É importante que a administração compreenda o que é fundamental para seu negócio em particular dependendo da categoria específica escolhida. É igualmente importante compreender quem são os clientes de cada categoria, bem como o tipo de serviço que desejam.
No caso das companhias armadoras especializadas em ascensão, é fundamental que o planejamento, a liderança, funcionários e gerentes tenham o perfil da categoria escolhida. Não há uma maneira específica de comandar uma transportadora. O que vale é atentar para o que realmente importa — e esses fatores críticos de sucesso serão diferentes em cada uma das quatro categorias de negócios.
Fonte: Revista Época, acesso em 22/03/2008, às 17h00m.
*Peter Lorange é presidente do IMD (International Institute for Management Development), instituto suíço de educação para executivos.
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